segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Válido para todo fim de ano - versão 2009

Mais um ano vai, outro ano vem. O tempo passa, o tempo vôa, tanto é que a poupança Bamerindus nem existe mais. Virou HSBC e não tem mais aquele barbudinho simpático da propaganda que fazia a gente acreditar que banqueiros eram caras legais e bem-intencionados que só querem ajudar.

O que virá pela frente? Não dá pra saber. Mas com certeza é de conhecimento geral que existe um chamado recesso entre natal e carnaval em que não sabemos identificar se é ano velho ou ano novo. O certo é que tudo acaba antes do dia 24 de dezembro e só começa pra valer a partir da quarta-feira de cinzas. E tem gente que leva isso altamente a sério.

Tenho um conhecido, talvez um primo (jamais revelo fontes), que durante alguns anos seguiu à risca e sem falsos-moralismos esse processo. Pode-se até dizer que trabalhava duro, mas chegava dezembro e o sacana dava um jeito de ser demitido amigavelmente - recebia o 13º, fundo de garantia, seguro desemprego, férias, entre tantos direitos - e fechava dezembro feliz da vida com dinheiro no bolso. Distribuía presentes a rodo no Natal, viajava no Reveillón e curtia plenamente o verão em janeiro. Até que, a medida que se aproximava o carnaval, começava a mandar currículos. Passada a folia, batata: em março recomeçava a trabalhar.

Tudo foi de bem a melhor por vários anos até que o nosso amigo Murphy, autor daquela famosa lei, resolveu intervir. Em um final de ano, este ilustre rapaz acabou demitido por justa causa e só foi arrumar outro emprego quase um ano depois. Isso reforça a minha teoria de que uma hora a putaria acaba. A não ser que você seja político. Ou então o Romário. Tá bom, o James Bond também pode entrar na lista.

Mas fala a verdade: quem aqui nunca sonhou em trabalhar 9 meses e meio por ano, fazer o que bem entender nos outros restantes - fora os finais de semana - e nunca faltar grana? Tudo bem, tudo bem. Acho que quando se trata de sonho, a parte relativa ao trabalho está completamente fora. Sonho mesmo é acertar sozinho na Mega Sena acumulada e nunca mais trabalhar na vida.

Já que o assunto é sonho, fim de ano sempre tem aquela coisa de promessa, planos e projetos que, na maioria das vezes, são esquecidos com a ressaca do dia 1º de janeiro. Tem gente que fala que vai emagrecer, que vai fazer academia, que vai ajudar os pobres, que vai parar de beber ou que vai finalmente tomar juízo.

Eu já sou mais realista: meu plano para o ano que vem é arrumar mais tempo pra dormir. Sendo assim, proporcionalmente eu ganho mais tempo para sonhar. Não dizem por aí que só alcança grandes objetivos quem sonha muito? Pois então, dormir vai ser o primeiro passo rumo à minha realização como ser humano.

Mudando um pouco a linha de raciocínio, para quem sempre passa a virada do ano na praia, tem sempre aquele negócio de pular 7 ondas e fazer um pedido em cada uma delas. Façam como eu.

Na primeira onda, vou pedir pra que nenhum bêbado desgraçado me derrube na água antes da 3ª onda. Não agüento mais isso! Da segunda até a quarta onda, pretendo utilizar 3 desejos ótimos que aprendi assisindo o Pica-Pau: "Dinheiro... Iates... Mulheres..." - vou ter que dar uma repensada nessa última parte, senão a Patroa me enche de porrada!

Por falar em Pica Pau, acho que na quinta onda vou pedir pra nunca descer uma catarata a bordo de um barril - sempre é bom se garantir. Sexto desejo: o mundo pode até acabar, desde que não falte cerveja e tremoços. Sétimo desejo: mais 7 desejos, por favor. E o primeiro pedido dessa nova série vai ser mais tempo pra pensar nos outros 6. De preferência depois do carnaval, porque é quando o ano realmente começa.

Para o ano que vem, você pode ter muitos planos, mas com certeza 5 coisas nunca vão mudar:
1- As segundas-feiras, assim como a Ana Maria Braga, continuarão insuportáveis.
2- Vai falar pra Deus e o mundo que o Big Brother é uma merda. Mas não vai perder um capítulo.
3- Se alguém famoso morrer, você pode até ficar triste. Mas no dia seguinte já vai estar fazendo piadinha.
4- Quando o seu time perder, foi porque o juíz roubou. É a única explicação lógica.
5- Na virada para o próximo ano, você vai se arrepender de tudo o que fez no ano que está acabando e vai prometer fazer tudo diferente no ano que vai chegar. O pior é que você vai saber que está mentindo.

Agora chega, né?

Boas festas pra todo mundo, encham a cara, dêem vexame e depois justifiquem dizendo que faz parte do "descarrego". Não tem jeito, fim de ano todo mundo é supersticioso.

Só não digo que vou entrar em 2009 com o pé direito porque pretendo continuar com as duas pernas.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Rápido e Rasteiro

SONHO EM PEDAÇOS
Finalmente completou a maior coleção de pratos de que se tem notícia.
E abriu um restaurante grego.

***

MAIS CARVÃO?
A casa era perfeita, mas não tinha churrasqueira.
Então tudo pegou fogo.

***

GENESIS
No primeiro dia, Deus criou o céu e a Terra.
No segundo dia, Deus crior as plantas, os animais, o homem e a mulher.
No terceiro dia, Deus criou Maluf e tudo ficou pronto rapidinho.
E no milionésimo séptuagésimo sexto dia, Deus continua pagando.

***

SÃO PAULO PERTO DE CONTRATAR SEU PRÓPRIO RONALDO
Motivado pela contratação do Fenômeno por parte do arqui-rival Corinthians, a diretoria do São Paulo já trabalha para ter o seu próprio Ronaldo.
Segundo o superintendente Marco Aurélio Cunha, "até sexta-feira Ronaldo Ésper chega para abrir o leque de opções do Tricolor".

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Coisas que você jamais soube. E que nunca teria coragem de perguntar.

Não!
Frutos-do-mar não é um tipo de pomar especial cultivado no fundo dos oceanos!

Não!
A Guerra do Peloponeso não é a disputa épica de duas japonesas pelo garanhão "japoneso".

Não!
Rosbife não é a fusão de palavras (fusavras) e muito menos a abreviação do tradicional prato "arroz com bife"!

Não!
O Juíz de Direito não foi criado para compensar o Juíz dos Canhotos!

Não!
Queijo coalho não é uma versão deste delicioso laticínio temperado com dentes de alho!

Não!
Transilvânia não é o nome da cirurgia que transformou o enrustido Silvio na esplendorosa maquiadora Silvânia!

Não!
Osama Bin Laden não é a história da romântica "Os" que amava loucamente o manda-chuva da Al-Qaeda!

Não!
Broche não é um acessório que condena o usuário ao eterno uso de Viagra!

Não!
I-Ching não é o manual de xingamentos (ou chingamentos) em Chinês!

Não!
Panamá não é a irmã gêmea diabólica da bondosa Panaboa!

Não!
Pan-americano não é a versão yankee dos cigarrinhos de chocolate Pan!

Não!
Chitãozinho & Xororó não são os pais da Sandy Júnior!

Não!
Refrescante não é uma poção que faz alguém voltar a ser gay!

Não!
Dar com a língua nos dentes não é o hábito de lamber a própria arcada dentária durante o coito passivo!

Não!
Psicotrópicos não é o paraíso tropical construído especialmente para abrigar psicopatas!

Não!
A Guerra dos Cem Anos não foi disputada por uma centena de soldados com a bunda de fora!

Não!
Nara Leão não era uma mulher que cantava de dia e virava bicho de noite!

Não!
Pindaíba não é uma cidade próxima de Carapicuíba!

Não!
O Gás Mostarda não é um tempero especial para o famoso sanduíche de vento!

Não!
Butão não é o país onde foram inventados aqueles peças redondinhas presas no tecido e que mantém sua camisa fechada!

Não!
Zíper não é o irmão invejoso do golfinho Flíper!

Não!
Rio de Janeiro não é um fenômeno fluvial que acontece apenas no primeiro mês do ano!

Não!
A Ordem dos Franciscanos não é o fã-clube daquele filme sobre o Zezé di Camargo & Luciano!

Não!
Criado-mudo não é um empregado com dificuldades de fala!

Não!
Lan-house não é uma casa onde você pode comprar blusas de lã!

E, pela útima vez, não!
Frases de efeito não são frases chutadas de três dedos pelo estupendo Neto!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Exagerada? Nem morta!

Aquele homem era mesmo um imprestável. Um verdadeiro estorvo. E pensar que até mesmo depois de morto – ou quase – ele fez questão de acabar com a minha vida.

Quem visse aquele velho homem estirado com as mãos uma sobre a outra que pareciam até tremer de tão rígidas, e a face pálida e enrugada como uma massa disforme de marshmellow congelado, seria incapaz de imaginar que, há menos de vinte anos, ele era um bonitão, um pedaço de mau caminho com pinta de galã de cinema dos tempos áureos. Uma versão mais moderna de Clark Gable, mas sem orelhas de abano e, muito menos, aquele bigodinho que é moda entre office-boys.

Por essa característica, que sempre causava suspiros nas mulheres que cruzavam seu caminho, ele nem precisou gastar sua lábia dissimulada, outra coisa que tinha de sobra, para fazer mamãe quase cair de joelhos aos seus pés de tão apaixonada, e não pensar duas vezes quando resolveu largar papai às traças para fugirem juntos. O mais doloroso, provavelmente, nem fosse o repentino divórcio em si, agora eu vejo bem, mas o fato de eu saber que, enquanto os dois pombinhos viam todas as maravilhas possíveis em sua louca viagem mundo afora, eu via o homem que havia me criado com amor e carinho ficar cada dia mais irritante e com uma melancolia que ia se amplificando em progressão geométrica. Até que um dia, graças a Deus, definhou de tanto desgosto. Ainda bem que nosso mordomo enterrou o pobrezinho antes que eu pudesse morrer de vergonha com aquela cena.

Quando voltaram, mamãe e aquele sujeito encontraram-me órfã, sozinha naquela imensa mansão, já começando a sentir prazer no ofício de mandar e desmandar nas dezenas de criados da família. Ao mesmo tempo em que sentia o poder recém-adquirido ser podado com a chegada daqueles dois, percebia que aquele falso e sem caráter estava fazendo de tudo para conquistar a afeição desta até então ressentida garota. Sorte que esses péssimos sentimentos já ficaram para trás. Porém, mesmo com os incansáveis esforços daquele canalha destruidor de lares, eu jamais cedi. Não teve bicicleta, carro e nem a possibilidade de ter meu próprio jatinho particular que me fizesse recuar. Claro que aceitei os presentes, mas, antes de tudo, sempre fui uma mulher de princípios. E olha que aquela desgraça de ser humano possuía um papo doce capaz de fazer até mesmo a saudosa Cássia Eller querer mudar de time.

Agora lá está ele, vestindo o mais fino paletó de madeira, recheado com flores trazidas dos mais belos e portentosos jardins, mas sem uma alma sequer para chorar pela sua alma miserável naquele enorme salão. Justamente aquele salão que, em época de vacas obesas de tão gordas, vivia lotado com a mais alta grã-finagem da cidade, quase obrigando esta já traumatizada adolescente de outrora a beber escondida para conseguir dormir. Ainda bem que só faço isso hoje por força do hábito...

Ao lado do caixão estava somente mamãe – eu a observava apenas de longe, talvez para não me contaminar com sentimentos negativos. Só que nem mesmo ela era capaz de derramar uma lágrima sequer. Minha progenitora, aliás, estava mais preocupada com o homem do cartório que iria trazer a certidão de óbito que possibilitaria, o mais rápido possível, que pusesse as mãos no seguro de vida daquele senhor desprezível e tão irresponsável que jogou não só toda a sua fortuna, como também a de mamãe – e conseqüentemente, a minha – pela latrina.

Quando amadurecia a idéia de repreendê-la por essa postura tão imoral de pensar apenas no dinheiro enquanto seu finado marido ainda mal começara a gelar, a chegada de um garboso homem, vestindo um terno alinhado que valorizava seus ombros musculosos e uma calça de caimento tão perfeito que tornava possível admirar aquelas suculentas nádegas, fez-me disparar o coração de tal forma que quase tonteei de dor. Resolvi disfarçar uma tristeza, até mesmo um choro. Quem sabe aquela formosura de rapaz viria consolar esta depressiva enteada. Mas não é que a descarada da minha mãe, a minha própria mãe, recebeu-o com um sorriso que ia de uma orelha a outra, fazendo-me morrer de vergonha? Afinal, não era de bom grado uma mulher da sua estirpe se engraçar com outros ainda na presença do corpo do falecido. Foi então que eu descobri que aquele pão era o esperado homem do cartório. Com aquelas mãos enormes, ele enfim entregava-lhe o documento que nos traria de volta alguns dos milhões que aquele facínora torrou.

Agora não venha você querer me culpar por sentir um leve desejo de enviar mamãe ao manicômio, porque assim que o belo gajo abandonou o funesto recinto, ela rapidamente guardou a papelada em uma pasta e, em seguida, inclinou-se junto ao caixão e começou a cochichar alguma coisa, como se aquele velhaco fosse capaz de escutá-la. O cúmulo dos cúmulos foi quando colocou o ouvido sobre o rosto dele, movendo a cabeça como se estivesse concordando com algo que ele lhe dizia, como se morto agora pudesse falar. Não que eu não acredite nessa coisa de espírito, muito pelo contrário, mas aquilo me deixou tão nervosa que meu braço esquerdo adormeceu e senti um intenso desconforto no peito, acompanhado de uma pressão aguda que só os escafandristas são capazes de suportar nas águas mais profundas.

Eu não estava entendendo nada! Ainda mais depois que mamãe foi espiar pela janela e voltou apressada apagando as velas ao redor e dando duas batidinhas na lateral do caixão.

- Levanta, Francisco. Aproveita que não tem ninguém olhando.

Como num passe de mágica, o falso morto ficou sentado no receptáculo de carvalho ornamentado com pedras preciosas e retirou do nariz os algodões que tapavam suas narinas. Quando o agora ex-falecido enfim se levantara, quem caía era eu. Meu pobre e sofrido coração não suportou tamanha corrupção de valores e saiu pela boca, expulsando do meu corpo a minha não menos pobre e sofrida alma.

Pois é. Foi assim que eu morri. E agora, em vez de eu aproveitar com mamãe todas as mordomias que uma pessoa pode ter com os milhões do seguro de vida daquele astuto representante da escória humana, aqueles dois estão fazendo tudo isso e muito mais a bordo de um iate de quarenta e cinco pés com piscina e tudo. Comprado sabe como?

Com o dinheiro do meu seguro de vida, claro.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Ovo e Mussum - mussuM e ovO

De frente pra trás
de trás pra frente.
Ovo é ovo e vice-versa.

O uno e seu oposto, assim como
o grande Mussum.

Se um foi Colombo quem pôs de pé
o outro se manteve ereto
mesmo com tanto "mé".

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Uma questão de bom senso (de humor)

- Me chamou?
- “Só chamei, porque te amo...”
- Pô, Pedrão! Já vai começar com pegadinha? Nem vem porque essa eu conheço.
- Todo mundo conhece, Valmir.
- O Gil até que foi bem nessa tradução, mas eu prefiro a versão original. I just call to say... É daquele outro pianista negrão cego, como é o nome mesmo?
- Cego?
Valmir começou a suar frio. Ele sabia das atrocidades que aquele homem sentado ao seu lado era capaz de cometer e agora acabara de cometer ali o terrível pecado de não se lembrar que Pedrão detestava aquele termo, já que sua doce mãezinha não enxergava de um olho por culpa de uma travessura do filho quando era criança, quando o então chamado Pedrinho descobriu que usar água sanitária não era uma boa forma de manter sempre limpos os globos oculares.

- Desculpa – engoliu seco – Deficiente visual. E afro-americano também.
Vai que ele tivesse na família algum parente negro que sofreu alguma discriminação.
- O Ray Charles? – perguntou Pedrão, com um olhar nervoso, quase psicopata.
- Não, aquele outro de cabelo mais compridinho, meio trançado, tá sempre rindo...
- Estevão! – Pedrão agora sorria igual a uma criança, talvez mostrando ser real a lenda de que sofria de um sério distúrbio bipolar.
- Estevão? Quem é Estevão? Só tem eu e você aqui1 Tá maluco?
- Estevão Maravilha!
Pedrão agora parecia eufórico.
- Cacete, Pedrão. Já tá drogado a essa hora da manhã?

Essa segunda indiscrição de Valmir foi o suficiente para o anjo momentâneo novamente se transformar naquele demônio peçonhento. Rangendo os dentes como um pitbull raivoso prestes a destroçar a própria focinheira para desferir o bote mortal, Pedrão agarrou Valmir com força pelo colarinho.
- Escuta aqui, seu merdinha. Em primeiro lugar, nunca me chama de drogado. Nunca nessa vida, apesar de tudo, cheguei perto de nada parecido. E já fiz gente muito mais importante que você passar dessa pra outra por muito menos. Em segundo lugar...

Pedrão soltou o trêmulo Valmir de volta na cadeira e, com a auréola dourada temporária de volta à cabeça e uma expressão serena de fazer inveja a qualquer monge zen-budista, concluiu:
- Em segundo lugar, sua sorte é que hoje eu estou de bom humor.

Valmir ainda observava-o mudo, obrigando Pedrão a ser mais enfático, para não chamá-lo de grosso, outra atribuição que ele recusava com fervor.
- Agora traduz pro inglês, seu estúpido.

Valmir pareceu ainda não entender nada.
- Maravilha quer dizer Wonder... Estevão é como se fosse Steve!

Longo silêncio e mesmo assim Valmir não era capaz de dizer nada.
- Estevão, Steve. Maravilha, Wonder! - declarou Pedrão, estampando um enorme sorriso no rosto, como se aquilo fosse o insight mais inteligente que um humano dotado de inteligência superior seria capaz de ter. Diante da demora na resposta do seu interlocutor, adotou então um tom, se é que era possível, mais ameaçador.
- Entendeu agora ou vou ter que desenhar no guardanapo?
- Steve Wonder! – exclamou Valmir, ainda aturdido pelas metamorfoses instantâneas no humor do homem com quem conversava.
- Só podia ser.
- Que piada sem graça!

O displicente Valmir acabara de cometer outro erro fatal, já que Pedrão se julgava o mais novo e estrondoso talento do humor, praticamente um Jerry Seinfeld brasileiro ou uma versão repaginada do grande Ary Toledo. E ai de quem o contrariasse. Porém, essa Pedrão deixara passar em branco, pelo menos por enquanto.
– A piada foi bem sem graça – continuou Valmir, agora um pouco mais à vontade – mas esse cara é ótimo! Muito bom, muito bom mesmo. Lembra do filme ‘A Dama de Vermelho’, que tinha essa musica como tema?
- Filmão... – confirmou o desconfiado Pedrão.
- Filmaço!

Enquanto Pedrão parecia estabilizar seus níveis neurológicos, Valmir começava a se empolgar.
- Tinha até o loirinho de cabelo encaracolado que era engraçado pracaramba e fez um outro filme com aquele ator negrão igual ao Apollo do Rocky.
- Cegos, surdos e loucos?
- Esse mesmo! Você pode não ter graça nenhuma, Pedrão, mas pelo menos você conhece as coisas boas da vida.

Valmir agora estava tão à vontade que começava a perder a real noção do perigo. Pedrão sabia disso, mas queria saber até onde aquele cretino era capaz de chegar.
- Puta filme, meu amigo! – concordou Pedrão – De chorar de rir.
- Puta filme mesmo. Isso é que é engraçado, não essas, abre aspas, sacadinhas inteligentes, fecha aspas, que você faz.

E não é que aquele lamentável exemplar da humanidade já estava se achando o dono da situação? Pedrão se corroía por dentro, mas ainda assim continuava dando corda:
- Eu sou um sobrevivente. Pena que não se faz mais anos 80 como nos anos 80.
- Pena que não se faz mais negrão cego – pausa – ou melhor, afro-descendente com deficiência visual como o Steve. Nunca mais ouvi falar dele.
- Nunca mais nem vi a cara dele.
- Se isso te servir de consolo, ele também não.

Não! Já não dava mais! Aquilo superava qualquer limite que Pedrão poderia suportar.
- Você fala das minhas piadas – Pedrão bateu forte no balcão – mas essa foi ridícula.

Agora Valmir não apenas deixara de se intimidar como até tratava-o com desdém:
- Piada não. É humor negro. Coisa sofisticada. Com sotaque britânico, inclusive.
- Britânico é o cacete! – Pedrão internamente contava até dez – Humor britânico é mais refinado, tem o timing certo. É só ver os caras do Monty Python, que fazem até pastelão virar coisa de bom gosto. Aliás, você devia era tomar umas aulas com o Tiririca, outro comediante sensacional, diga-se, porque essa bobagem que você acabou de falar é pura maldade, Valmir.
- Maldade é encoxar a mãe no tanque.
- Isso já não é maldade, é ausência total de qualquer noção de respeito e, quiçá, de periculosidade. Mas você tem razão, encoxar a minha mãe ia ser maldade mesmo. Já a mãe dos outros...
- Como assim?
- Eu encoxei a sua mãe no tanque, mas não foi maldade nenhuma. Porque ela adorou.
- Isso é humor refinado? Você acha que essa merda que você falou é humor refinado? – veja só que audácia, Valmir agora queria intimidá-lo – Porque se for começar com sacanagem, dou meia volta e pulo fora dessa. Agora deixa de papo furado e me diz por que você me chamou.
- O negocio é o seguinte... – emendou Pedrão, segurando um falso sorriso.
- Dezenove não é vinte! – completou Valmir – Essa é velha. Já faz tempo que essa ficou velha, hein Pedrão?
- Então ela é nova.
- Como assim?
- Matemática pura, meu amigo. Menos com menos dá mais, certo? Então velha com velha só pode virar piada nova.
- Sei...
- Pode admitir que você achou engraçado, vai. Só tem a gente aqui, ninguém vai saber – e enfiou a mão no bolso sem Valmir perceber.
- Tá vendo eu ali, ó? – indagou Valmir, apontando o emporcalhado assoalho do bar – Tô rolando no chão de tanto rir.

- Pois é, mas agora você vai mesmo rolar no chão...
Mais rápido do que qualquer personagem de Clint Eastwood poderia sequer supor, Pedrão sacou uma sete-meia-cinco com um pequeno silenciador acoplado e disparou uma única vez na garganta de Valmir, que não teve tempo nem de entender a piada antes de desabar morto
– ... e quem vai rir sou eu!

Pedrão levantou-se, limpou cuidadosamente o coldre da arma – mesmo usando luvas de couro, era bom ter o máximo de precaução – e colocou-a nas mãos da sua mais recente vítima. Quando saía do bar vazio, virou-se para trás e contemplou o corpo de Valmir com total desprezo.
- Não suporto gente sem senso de humor.